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domingo, 17 de abril de 2011

Tequila Vermelha

OOI! Vou postar aqui o capítulo 1 do novo livro do Rick, Tequila Vermelha. Leiam, apreciem, e comentem!



— Quem? — disse o homem que ocupava meu novo
apartamento.
— Tres Navarre.
Apertei o contrato de aluguel contra a porta telada mais
uma vez, para que ele o visse. Fazia quase 40 graus na varanda
do pequeno apartamento. O ar-condicionado vazava pela porta
telada e evaporava no meu rosto. De alguma forma isso fez
com que o calor parecesse ainda maior.
O homem dentro do apartamento relanceou o papel e então,
com os olhos semicerrados, olhou para mim como se eu
fosse uma bizarra obra de arte moderna. Através da tela de metal
ele parecia ainda mais feio do que provavelmente era: corpulento,
uns 40 anos, cabelo à escovinha, as feições espremidas
no centro do rosto. Estava sem camisa e usava o tipo de short
de poliéster que apenas os professores de educação física têm
coragem de usar.
Use palavras curtas, pensei.
— Meu aluguel começou no dia 15 de julho. Isso quer dizer
que você já deveria ter saído. Já é dia 24.
Nenhum sinal de remorso no professor. Ele olhou para
trás, distraído por uma falta no jogo da TV. Voltou a olhar para
mim, desta vez um pouco irritado.
— Olha, idiota — respondeu. — Eu disse para Gary que
precisava de mais algumas semanas. Minha transferência ainda
não saiu, entendeu? Talvez em agosto você possa ficar com
o apartamento.
Olhamos um para o outro. Em uma nogueira-pecã próxima
à escada alguns milhares de cigarras começaram com seu zunido
metálico. Olhei para o taxista que ainda esperava estacionado
ao meio-fio, com o taxímetro rodando, lendo satisfeito o guia da
TV. Então olhei para o professor e sorri; amistoso, diplomático.
— Olhe. Vamos fazer o seguinte. O caminhão de mudança
chega amanhã, da Califórnia. Isso quer dizer que você precisa
sair hoje. Mas já que você já está aqui há uma semana por
minha conta, acho que posso lhe dar mais uma ou duas horas.
Vou pegar as malas do táxi, então quando eu voltar você pode
me deixar entrar e começar a arrumar suas coisas.
Se é que era possível, os olhos do sujeito se estreitarem ainda
mais.
— Mas que porra é…
Dei as costas para ele e fui até o táxi. Não tinha trazido
muita coisa no avião: uma mala de roupas e outra de livros,
além de Robert Johnson na caixa de transporte. Peguei minhas
coisas, pedi ao motorista para esperar e então segui pela calçada.
Pecãs esmigalhavam-se sob meus pés. Robert Johnson
estava em silêncio, ainda desorientado pelo voo traumático.
A casa não parecia muito melhor numa segunda olhada.
Como a maioria dos outros gigantes sonolentos da Queen
Anne Street, o número 90 tinha dois andares, telhado antigo
com placas verdes, parede lateral com a madeira aparente e
poucos resquícios de tinta branca, e uma grande varanda fechada
submersa em toneladas de buganvílias. O lado direito da
casa, de onde se projetava a varanda do inquilino, havia cedido
um pouco e agora jazia inclinado para trás, como se aquela
parte da construção houvesse sofrido um derrame.
O professor havia aberto a porta para mim. Na verdade ele
estava sob o batente, sorrindo, com um bastão de beisebol nas
mãos.
— Eu disse agosto, seu cretino.
Coloquei as malas e a caixa com Robert Johnson no primeiro
degrau. O professor sorriu como se acabasse de ouvir
uma piada de duplo sentido. Um dos seus dentes da frente tinha
duas cores diferentes.
— Já pensou em dar uma passada no dentista?
Mais algumas rugas se formaram na testa do homem.
— Mas que…
— Esquece — eu disse. — Você tem algumas caixas de papelão
ou vai colocar suas coisas em sacos de lixo? Você me parece
ser do tipo que usa sacos de lixo.
— Vai se foder.
Sorri e subi os degraus.
A varanda era estreita demais para uma tacada, mas ele
fez o possível para acertar a ponta do bastão no meu peito.
Esquivei para o lado e dei um passo na direção do homem,
agarrando o pulso dele.
Se aplicarmos a pressão do jeito certo, podemos utilizar o
ponto nei guan, logo acima da junta do pulso, que pode ser
usado no lugar do desfibrilador para estimular o coração. Um
dos motivos que levam as avós chinesas a usar aqueles bastões
compridos nos cabelos é, na verdade, estimular o ponto
nei guan caso alguém da família tenha um infarto. Aplique um
pouco mais de pressão e isso provoca uma descarga um tanto
desagradável no sistema nervoso.
O rosto contraído do professor ficou vermelho, aquecido
com o choque. O bastão de beisebol rolou as escadas com ruí-
dos secos. O homem estava curvado no chão, agarrando o próprio
braço, quando abri a porta.
A TV ainda estava ligada na sala; um comediante do Saturday
Night Live em ostracismo entornava uma cerveja rodeado
por cinco ou seis líderes de torcida. Não havia mais nada no
cômodo a não ser um colchão, uma pilha de roupas em um
canto e uma poltrona sebenta. Sobre a pia da cozinha havia
uma pilha de pratos sujos e caixas de fast-food. O cheiro era
algo entre carne frita e roupa suja molhada.
— Você fez maravilhas por este lugar. Estou entendendo
por que…
Quando me virei, o professor estava de pé atrás de mim e
seu punho, a alguns centímetros do meu rosto, a caminho da
aterrissagem.
Girei para fora da trajetória e puxei o pulso do homem para
baixo com uma das mãos. Com a outra golpeei o cotovelo dele,
no sentido contrário ao do movimento. Tenho quase certeza
de que não o quebrei, mas certeza absoluta de que aquilo doeu
como o diabo. O professor desmoronou no chão da cozinha e
eu fui conferir o banheiro. Uma escova de dentes, uma toalha,
a última Penthouse sobre a caixa da descarga. Todos os confortos
do lar.
Precisei de 15 minutos para encontrar um rolo de sacos de
lixo e enchê-los com as coisas do professor.
— Você quebrou meu braço — disse o sujeito. Ele ainda
estava sentado no chão da cozinha, apertando os olhos com
força.
Tirei a TV da tomada e a levei para fora.
— Algumas pessoas gostam de colocar gelo em juntas doloridas
como essa — eu disse, enquanto tirava também a poltrona
de dentro do apartamento. — Acho que é melhor se você usar
uma bolsa de água quente. Mantenha a junta aquecida. Daqui a
dois dias você não vai sentir nada.
Ele disse que ia me processar, acho. Disse muitas coisas,
mas eu não estava mais prestando atenção. Estava cansado, o
dia estava quente e eu começava a me lembrar de por que ficara
longe de San Antonio por tantos anos.
O professor sentia dor o bastante para não resistir muito
quando o enfiei no táxi com quase todas as suas coisas e paguei
ao motorista para levá-lo a um hotel barato. Deixando a TV e a
poltrona no gramado em frente à casa, levei minhas coisas para
dentro e fechei a porta.
Robert Johnson esgueirou-se com cautela para fora da
caixa de transporte quando a abri. Seu pelo preto estava alisado
para a frente num lado do corpo e os olhos amarelos, bem
abertos. Ele estremeceu um pouco ao firmar as patas no chão.
Eu sabia como se sentia.
Ele farejou o carpete e então olhou para mim com total
desdém.
— Rau — ronronou.
— Bem-vindo ao lar.

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